ANÁLISE PROFUNDA – O Mundo por um Fio

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O Mundo por um Fio (Welt Am Draht, Rainer Werner Fassbinder, 1973)

Adaptado do livro Simulacron-3, de Daniel F. Galouye, O Mundo Por Um Fio (Welt am Draht, 1973) é, talvez, a obra mais ampla do cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder. Produzido originalmente para a televisão alemã e dividido em duas partes, o filme não é dos exemplares mais famosos no campo da ficção científica, mas ainda assim é um dos tratados mais complexos e intrigantes do gênero. Fora de circuito por 37 anos, o filme foi relançado em 2010, sendo exibido em abril daquele ano no MoMa (Museu de Arte Moderna de Nova York), após ter sido restaurada pela Fundação Fassbinder.

O roteiro, escrito por Fassbinder em parceria com Fritz Müller-Scherz, é cheio de nuances e, também por sua longa trama – o filme no total tem 212 minutos –, acaba por se dividir em várias partes, tornando assim difícil de explicar detalhes da trama sem cair nos famigerados spoilers. O que acaba sendo importante de primeira mão é apenas explicar os primeiros movimentos da estória: O cientista Vollmer (Adrian Hoven) morre em circunstâncias misteriosas e seu assistente, Fred Stiller (Klaus Löwitsch) passa a ser o principal responsável pelo experimento conhecido como Simulacron, um experimento cibernético que recria a nossa realidade. Baseado nas decisões tomadas pelo ser humano, o Simulacron projeta o nosso ambiente vinte anos à frente, revelando assim o que será necessário para a humanidade e o que será obsoleto.

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Muito mais voltado à filosofia do que à tecnologia, o longa traz como cerne a discussão metafísica e psicanalítica, rememorando conceitos de simulacro e realidade do filósofo niilista Jean Baudrillard. Desse modo, os questionamentos do protagonista acerca de sua existência permeiam constantemente o discurso da obra, tanto no âmbito pessoal quanto social. Os questionamentos acerca da realidade e do real, do simulacro e das simulações, são os principais a serem abordados.

A obra pinça de diversificadas influências para debater questões filosóficas, que, por sua vez, serviram de inspiração para produções posteriores do cinema mundial. Impossível não pensar em Matrix (idem, 1999), dos irmãos Wachowski, ao assistir O Mundo Por Um Fio. Pouco tempo depois, Stalker (idem, 1979), de Andrei Tarkovsky também contrapôs ficção científica com existencialismo. De modo tão profundo quanto Fassbinder, Tarkovsky filmou as dúvidas existenciais de seu protagonista em meio a um futuro tão tecnológico quanto selvagem.

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Mesmo de modo não tão direto, é interessante observar as semelhanças entre o filme de Fassbinder e Blade Runner – O Caçador de Androides (Blade Runner, 1982), de Ridley Scott. No sentido estético a obra estrelada por Harrison Ford tem a mesma riqueza de cores, num mundo opressivo, porém muito mais sombrio. Além disso, a própria história de Philip K. Dick na qual Blade Runner foi adaptado traz como principal questionamento a tomada de consciência de simulacros humanos. Se no livro de Dick os replicantes se misturam aos humanos com o desejo de terem sentimentos assim como nós, em O Mundo Por Um Frio, o debate da consciência acontece do mesmo modo, com Einstein (Gottfried John), um simulacro do Simulacron que tem como principal desejo sair daquele universo para vir ao nosso.

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Como não poderia deixar de ser, O Mundo Por Um Fio também bebe da fonte de outras ficções científicas. Há uma clássica referência a 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968) através da trilha-sonora, além do esmero com a decoração e arquitetura dos ambientes internos. Indo um pouco mais longe, é possível ligar a película com Metrópolis (Metropolis, 1927) ao falar sobre as camadas da população. Assim como na obra de 73 as camadas de universo as quais os personagens se referem são camadas de realidade, pode-se notar que o discurso alude também às camadas da sociedade, o desejo da escalada social e os possíveis impedimentos disso. Em determinado momento do filme, um dos próprios diretores do instituto cibernético se refere aos simulacros como “aqueles que vivem abaixo de nós”.

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O Mundo Por Um Fio não deixa de ser também um grande suspense. Stiller passa grande parte do filme tentando descobrir o que acontece na rede de intrigas conspiratória na qual está envolvido. Do mesmo modo ele precisa fugir de seus misteriosos perseguidores e provar sua inocência, já que a partir de certo momento recai sobre ele a culpa por duas mortes. O tom paranoico relembra também muitos filmes de Michelangelo Antonioni. Apesar do distanciamento estético, o roteiro do filme tem fortes influências do cinema noir, com suas femme fatales.

Apesar de muito complexo, o filme carrega também muitos trejeitos das ficções B, como alguns personagens canastrões e teorias científicas adaptadas para explicações apenas dentro de seu universo próprio. Apesar de soar estranho, é justamente o encontro de todos esses gêneros que dá charme ao filme. Mais famoso pelo melodrama protagonizado por atrizes, O Mundo Por Um Fio é a obra mais distante do universo de Fassbinder, porém, nem por isso, renegando conceitos trabalhados por ele em suas outras produções.

 

GIANCARLO COUTO

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